sábado, 3 de janeiro de 2009

ÍNDIOS (QUE SOBRARAM) DO BRASIL

Cerca de 0,2% da nossa população são índios. Quem já teve a posse de todo o território nacional agora ocupa 12% do mapa. De um total de 350 mil indígenas remanescentes, aproximadamente 50 mil deixaram as reservas para viver nas cidades ou no campo. Mesmo quem ficou na mata, na maior parte das vezes, passou a ganhar a vida como se fosse um caboclo ou ribeirinho. Para recuperar sua língua, sua cultura e seu passado, os índios dependem da demarcação de suas terras e do acesso à educação diferenciada.

Difícil dizer quantos eram os índios antes do Descobrimento. Calcula-se que havia entre 2 e 6 milhões de indivíduos. Mas um palpite otimista não resolve muita coisa. Ao contrário: quanto maior a estimativa, mais desoladora parece a realidade dos primeiros habitantes do Brasil. Atualmente, eles não passam de 350 mil, o equivalente a três Maracanãs lotados. Você sabe o que isso quer dizer? É possível que, ao longo de nossa história, a população indígena tenha sido dizimada ao ritmo de um milhão por século!

A tragédia indígena não se mede só pelo número de mortos. Tal massacre esconde uma perda ainda mais dramática, porque irreparável. Etnias inteiras foram riscadas do mapa, levando consigo sua cultura e a contribuição que poderiam ter legado à identidade do país. Hoje, o número de agrupamentos indígenas se resume a um quinto do que havia antes de Cabral chegar. Das 216 tribos restantes, apenas 16 rejeitam o contato com não-índios e mantém intactos seus costumes.

Diversidade pouco conhecida

Se certas aldeias são até hoje totalmente desconhecidas dos indigenistas, este não é o desconhecimento mais grave do "homem branco". Muita gente ignora a importância da imensa riqueza cultural dos índios e faz de conta que eles não existem. Quer uma prova? Duvido que você acerte esta pergunta: quantas línguas são faladas no Brasil? Se respondeu "uma, o português" e achou que está abafando, passou foi longe. Há cerca de 170 línguas e dialetos nativos em uso no país.

Você acha que é preciso ir à Amazônia ou ao Parque Indígena do Xingu para saber o que se passa nas tribos? Pois saiba que pode haver aldeias embaixo do seu nariz. Os únicos estados onde não há povos indígenas são Piauí, Rio Grande do Norte e o Distrito Federal. Com um pouco de atenção, você se dá conta de que a influência indígena está em toda parte, até neste texto! É só voltar ao primeiro parágrafo: Maracanã vem do tupi-guarani e é o nome dado a uma espécie de papagaio.

Leis que demoram a sair do papel

Justamente porque a importância cultural dos índios é pouco conhecida, eles continuam tendo seus direitos desrespeitados. Em 1973, o Supremo Tribunal Federal elaborou o Estatuto do Índio, determinando a demarcação de todas as terras indígenas num prazo de cinco anos. No entanto, passados quase 30 anos, só 252 das 568 reservas indígenas foram homologadas.

Um marco na regularização de terras indígenas é o Parque Indígena do Xingu, no norte do Mato Grosso. Foi criado em 1961 pelo então presidente Jânio Quadros, sob orientação dos sertanistas Cláudio e Orlando Villas Bôas. As rixas de tribos rivais são coisa do passado. Hoje o parque abriga um caldeirão étnico onde quatro mil índios de 14 etnias aprenderam a conviver em paz.

Terras exploradas

Nesse caso, porém, a demarcação não foi suficiente para proteger as terras da exploração de garimpeiros, madeireiros ou agropecuaristas. Nos últimos 30 anos, um quinto da cobertura vegetal foi removido por eles. Ao sul da reserva, a mata virgem cede espaço a plantações de soja e arroz. Mais de 200 serrarias cortam cerca de 2,6 milhões de metros cúbicos de madeira por ano, a oeste da reserva - mais de 90% extraídos de forma predatória. Quase duas mil fazendas no lado leste já derrubaram um milhão de hectares para a criação de gado.

Índio quer educação, senão cultura vai morrer

Mas não basta preservar a terra, é preciso proteger sua cultura. Um parágrafo da Constituição de 1988 assegurou aos índios uma educação diferenciada, bilíngüe e multicultural. Passou a ser obrigatório que as crianças aprendessem o bê-á-bá de sua língua materna. Mas somente em 2001 saíram os primeiros resultados que indicam em que pé anda a educação dos curumins. O primeiro censo sobre educação indígena, do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), aponta que existem 93.037 alunos matriculados.
Dois terços desses alunos (66%) estão matriculados em 1.392 escolas indígenas, onde trabalham 3.998 professores. Três entre quatro mestres (76,5%) são de origem indígena. Nesse balanço, o que mais entristece é saber que quase metade dos professores (48%) sequer completou o Ensino Médio, formação mínima exigida para dar aulas.

Mas uma notícia deixa no ar a expectativa de que tais determinações passem a ser cumpridas com mais vigor. A índia da etnia Pareci Francisca Novantino Pinto de Ângelo tomou posse, em 18 de março de 2002, no Conselho Nacional de Educação (CNE). Como primeira representante indígena na Câmara de Educação Básica, ela terá um mandato de quatro anos para elaborar normas e regulamentações que visem a garantir o acesso de índios ao sistema educacional brasileiro.

Proteção ao índio

Como se vê, os índios precisam de mais do que arcos e flechas para defender seus direitos. Dos cinco séculos de contato com o colonizador, a história da proteção dos indígenas se resume a menos de 100 anos. Em 1910, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), chefiado pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon - descendente de índios que trabalhou para melhorar as condições de vida dos povos indígenas. Ele deu início ao período de pacificação dos índios e de reconhecimento de seu direito à posse da terra e de viver de acordo com seus costumes.

No ano de 1967, o SPI foi extinto por causa de denúncias de irregularidades administrativas. Naquele mesmo ano, foi criada a Fundação Nacional do Índio (Funai) para estabelecer uma política de pacificação entre tribos rivais e o bom relacionamento das populações indígenas com a sociedade. Mas, com um orçamento anual de R$ 4,5 milhões, não é de se espantar que o Parque do Xingu mais pareça uma ilha ameaçada por todos os lados. A quantia é insuficiente para vigiar os 580 territórios indígenas existentes no país.

Números promissores

Mas parece haver uma luz no fim do túnel. Segundo o Instituto Socioambiental de São Paulo, a população indígena cresceu 17% entre 1995 e 2000, taxa mais alta que a dos demais brasileiros. Outra novidade é que o número de tribos também tem aumentado. Há 216 diferentes tribos no Brasil, dez a mais do que o apurado na última pesquisa, de 1995. O futuro dos povos indígenas no país é incerto. Se está afastada a hipótese do desaparecimento dos índios no Brasil, é imprescindível uma clara política compensatória por parte do Estado para que eles cresçam com dignidade.

Faça parte dessa tribo

A seguir, você vai conhecer três histórias. Quem conta a primeira é José Elias Teixeira. Em outubro de 2000, ele, três colegas e o professor Amarildo Goulart viveram uma experiência e tanto: puderam conviver por uma semana com os índios tremembés, de Almofala, no Ceará.

A segunda história é contada por Eliane Cassol. Ela fala de uma escola que é coisa rara para os padrões do ensino indígena. Está a anos-luz da construção de pau-a-pique dos tremembés: tem até Internet! Para terminar, damos a palavra ao maior indigenista brasileiro vivo, Orlando Villas Bôas. Ele descreve a origem do ritual indígena que está entre os mais conhecidos no país: o o quarup, a festa dos mortos. Mais que uma reportagem, este é um convite para você fazer parte da tribo de quem acompanha com atenção os destinos dos povos indígenas no Brasil e deseja que sejam resguardados a cultura e os direitos de quem estava aqui muito antes das caravelas.


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Fotografias:
Almofala, município de Itarema/CE
Aldeia dos índios tremembé
No alto, com o cocar, o cacique da tribo, João Venança

Website: http://www.aprendebrasil.com.br/reportagens/indios/default.asp


Postado por Tupã Ñembo'agueraviju

Dia: 03/01/2009 - as 12h15